06 fevereiro, 2004

Marta Suplicy: populismo não é à prova d'água

São Paulo cresceu rápida e desordenadamente. Uma das conseqüências é o inchamento populacional. Outra é a falta de infraestrutura para a maior parte da cidade, onde também se localiza a população de renda mais baixa. Em poucas palavras, favelização.

Fato que, somado às fortes chuvas típicas da estação do verão, resulta no quadro já tão conhecido: enchentes, pessoas sofrendo perdas materiais, mortes. Ouve- se indignaçao e pedidos de ajuda. Governantes se defendem, culpando sempre as condições urbanas, que nesse momento, sob os mais diversos argumentos, se tornam parte constituinte e imutável da própria cidade, e as gestões anteriores, que nada fizeram, a exemplo da gestão corrente, independente de qual seja. Até aqui nada de novo.

Mas dessa vez, algo inusitado ocorreu. Nossa prefeita, Marta Suplicy, que concorre à reeleição, se dispôs a ajudar ao invés de reclamar das gestões passadas. Não, ela não vai fazer obras que possam resolver o problema: não vai desfavelizar e nem contruir ou reformar a infraestrutura básica (e obrigatória) para essa população. Vai ISENTAR os moradores "das regiões afetadas"de pagarem IPTU.

Isso mesmo: aqueles que perderam móveis, eletrodomésticos e até a própria casa, não precisam pagar o imposto cuja receita deveria, entre outras coisas, manter um sistema eficente que evitaria esses fatos. A lógica teórica da coisa funciona: fomos imcompetentes, portanto não cobramos. Mas esses eventos afetam, na maior parte das vezes, favelas! Sim, a maior parte dos prejudicados moram em barracos. Alguém já viu barraco pagar IPTU? É uma medida que só atinge uma parcela muito pequena dos que foram afetados, e ainda assim resolve muito pouco ou quase nada mesmo para esses. É um paliativo, na verdade, e dos mais improvisados e fracos já vistos. Nào adianta nada remover um imposto agora, se no ano quem vem haverão mais chuvas e mais eventos semelhantes.

E tem mais: a prefeitura vai abrir UM FUNDO DE AJUDA VOLUNTÁRIA para que os cidadãos de São Paulo possam depositar quantias e colaborar humanitariamente para ajudar os pobres coitadinhos. Mas que coisa, é obrigação DO GOVERNO resolver essas coisas, e não da população! Os governantes foram eleitos para zelar pelos cidadãos, para dar segurança, saneamento, etc. Eles são pagos, e por sinal muito bem pagos, unicamente para exercer essas atividades. É para isso que pagamos impostos, certo? Ou em tese, deveria ser para isso. Os cidadãos sempre são cobrados a pagar os impostos, as faturas chegam infalivelmente. E onde vai parar todo o dinheiro dos impostos, essa carga tributária abusiva que onera o trabalhador e dizem, é para o nosso próprio bem? E essa quantidade enorme de taxas que a prefeita criou, não servem pra nada nessas horas? Isso sem mencionar as entrelinhas dessa proposta: quem ajuda é sensível aos problemas alheios, tem bom coração, cidadão exemplar. Quem não ajuda é insensível, desconfiado e egoísta.

E lá vem a imprensa divulgando imagens e reportagens mostrando pessoas desoladas, chorando a desgraça de perder tudo, dizendo que não tem pra onde ir e pedindo ajudar "pelo amor de Deus" (incrível que nessas horas não se encontram ateus). Golpe muito baixo, na minha opinião. Completamente antiético. O cidadão servindo o Estado, ainda que sob uma roupagem de voluntariado.

Essas medidas foram muito bem anunciadas e divulgadas. Aliás, é curioso ver um governo falando que "não vai poupar esforços nem recursos para tentar a reeleição" pedindo ajuda para a população agora que surgem problemas concretos e palpáveis. Não, a prefeitura não pode dispor das verbas para a campanha em favor dos afetados (reeleição é mais importante), assim como não pôde resolver o problema das escolas de lata, mas criou os CEUs, e divulgou amplamente esse último fato, enquanto a maioria da população sequer sabe da existência das escolas de lata, exceto pelos que estudam e lecionam por lá.

O desfecho: depois de anunciadas as "providências" a serem tomadas, a prefeita saiu em visitas à população afetada, para ver os estragos. Temos reeleição, não podemos nos esquecer. Hora da prefeita de mostrar presente. A reação foi, pelo menos para ela, inesperada: foi hostilizada pela população, e rechaçada com violência. Poupo o leitor dos detalhes, mas vale lembrar que isso é um sinal de insatisfaçao, de que as pessoas começam, ainda que vagarosamente e num nível de semi- consciência, a perceber que algo não vai nada bem e que alguém deixou de fazer o que deveria, e tampouco tem planos de fazê- lo.

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