21 janeiro, 2004

Dica da Sonoe, texto do Joaquim Ferreira dos Santos publicado no jornal O Globo.

A geração u-hu!

Eu não acredito que você acredita que um ser humano acredite que "espécime que come espécime adquire o mal da vaca louca". Pois eu vi, já que não vejo novela e é preciso saber as notícias do país, eu vi o "Big Brother Brasil" e estava lá. Um negão azul, um perfeito cruzamento do Lothar do Mandrake com a Vera Verão da "Praça da Alegria", filosofando para seus 14 colegas de todas as cores. Alguém ainda tentou argumentar - o jardineiro de um cemitério do interior de São Paulo, um cruzamento perfeito do cantor Vinny com o Ciro Bottini do Shoptime - que espécime que come espécime dá é poder. Mas o Lothar foi enfático. Poder coisa nenhuma, meu irmão. Dá vaca louca. Na veia. Você não vê televisão?

A atual Globeleza, requebrando o pandeiro, esta, todo mundo já sabe. Foi reproduzida em computadores. A de verdade está grávida. Eu vi o Zeca Camargo de blusão-astronauta, domingo no "Fantástico", e apesar de ter minhas dúvidas, apesar de ele estar na frente de uma foto do planeta Marte, não vou avançá-las. Acho-o humanamente crível e terráqueo. Agora, sobre os 14 sujeitos do "BBBrasil", eu agarântchio . Clones de si próprios. A fórmula está trancada num cofre da sala três, corredor Norte, do Projac.

Os homens de televisão, que em brilho técnico só têm páreo no Brasil com os homens de futebol e da música, saíram na frente dos cientistas nas fórmulas de reprodução humana. O "BBB" é a exposição anual dessas conquistas genético-televisivas. Nossos sábios não mexem em tubos de ensaio, não conjuminam óvulos e espermatozóides. O lance é limpo. Aplique na audiência, por anos e anos, uma programação de baixas calorias intelectuais. Entregue suas meninas aos conselhos da Xuxa, da Eliana e daquela outra loura que estreou ontem. Os adolescentes, matricule-os na escolinha de "Malhação". A miséria brasileira faz o resto. Eis aí, inteirinha em seu vídeo, a geração u-hu!

Há três anos, em quatro programas, o "Big Brother Brasil" recepciona em seu cafofo de Jacarepaguá os jovens criados pela televisão nos últimos tempos, gente que acreditou nos professores transmitidos pelo vídeo e hoje se veste com a coleirinha da Cláudia Abreu em "Celebridade" e fala como se estivesse saindo de uma aula de filosofia ministrada por Cláudio Heinrich na novela "Uga-uga".

Gritam muito, mas nunca proparoxítonas. Olham-se o tempo todo no espelho, nunca no fundo do olho. Vagueiam, andróides sem alma, teletubbies que adolesceram zumbis, pelo espectro azul da existência televisiva.

Durante três meses, esses big brothers vão ter um reforço naquela dieta sem qualquer proteína espiritual que os criou. Foram trancados numa casa cheia de aparelhos de ginástica mas nenhum livro. Cérebros flácidos, glúteos firmes, eis o Brasil do "BBB". Você não viu, porque a câmera passou muito rápido. Mas, quando os competidores entraram na casa, eu anotei o brasão e ex-líbris sobre o portão: "Emburreço, logo, apareço". Todos lêem "Caras", viram a nova casa da Juliana Paes. Querem-nas. A casa. A Juliana. A fama. Quem não?

Essas pessoas, algumas com visual inspirado num Bob de Niro visto numa "Tela Quente", outros copiando o cantor mineiro do Skank, acreditaram nos personagens de ficção criados pela televisão e os reproduzem, com o ridículo inevitável, na própria televisão. Ao mesmo tempo, vitoriosos que são, ganhadores de carros, R$ 500 mil e convites nas festas de celebridades, transformam-se nos mestres dos guerreiros do próximo "Big Brother" - e, assim, vão projetando para o futuro um país cada vez mais superficial, ignorante, tatibitate, adepto da pernada, do fuxico e da crença cega de que os olhos de ressaca da Capitu não dão para saída se o bumbum da rival arrebita maneiro na borda da piscina.

A geração u-hu!, mas pode me chamar de geração caraca!, jóias de interjeição sem as quais eles não se comunicariam, sucede à geração Coca-Cola de que falava Renato Russo. Estes eram filhos da revolução, gente deprimida com a falta de uma para fazer. Morreram nas drogas, no tédio-xadrez da camisa do Kurt Cobain. Agora foram substituídos pelos filhos da televisão, cruzamentos perfeitos de Paulo Vilhena com Barbara Paes. Vale o que está escrito na tatuagem deles. Olhos verdes, omoplatas azuis, bíceps de açaí e vontade louca de acreditar "que existe vida além da morte", como dizia sonhar uma garota, lutadora de boxe, quarta-feira passada no "BBB".

Ela falava aos gritos, coitada, e desculpava-se. "É que fiquei surda de tanto ouvir disc-man". Queria, e o meu analista me permita dar de graça um toque que está custando R$ 200 por sessão, ela queria é acreditar em qualquer mentira para ter o que declarar ao repórter da "Quem acontece".

O "BBB" é o provão da televisão, a oportunidade que ela tem de mostrar como estão os alunos formados por seus programas-pegadinhas, shows dos milhões, e ao mesmo tempo ser avaliada de volta por suas aulas.

Pois então vamos abrir a papeleta do primeiro jurado. Ze-ro, nota ze-ro.

Do segundo: ze-ro, nota ze-ro.

O mais velho dos jogadores do "Big Brother" tem 31 anos, passou a vida acompanhando de casa a Danielle Winits turbinando o contracheque a cada copo de silicone que lhe fazia o mesmo com os peitos. O mais novo tem 22 e já leu na "Flash" que o Erick Marmo, na tarde em que pegava uma namorada na porta do estúdio, foi fisgado para a carreira de ator. Nenhum deles foi vitaminado com a dieta certa de educação e bons propósitos por um meio tão poderoso. No máximo aprenderam com a televisão a disfarçar o vazio que vai por dentro com penteados, caraca!, que eu vou te contar. Não têm culpa. Acham todos, u-hu!, que lhes chegou a vez - e tomara que assim seja.

Jovens, bonitos e saudáveis precisam acreditar em alguma coisa urgente, pois, se Deus quiser, a vida depois da morte ainda custa e está longe, bem para lá de depois da Ilha de Caras.

Tem mais, lá no Imprensa Marrom, meu texto de hoje.

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